Sobre o livro
Caso você se acostume com o sotaque das esquinas, ouvirá ao fundo os ecos de um período mágico de Cuiabá; e todo o terror subsequente. São rumores escondidos em relatos sempre ligados à lendária corporação — Cortiço Capivara — cuja queda teria dividido em duas partes a história da região. Apesar dos nativos não falarem abertamente sobre o tema, foi possível resgatar algumas narrativas da tradição oral, outras foram restauradas de documentos, entrevistas, cartas e cultos. Não me pareceu correto amansar o linguajar ou as intenções. Nenhum nome ou local foi preservado. A ordem apresentada no livro, segundo investigação in loco, segue a cronologia dos eventos.
Trecho
Nunca fui medrosa, mas todos os meus sentidos agora pedem alerta. A única coisa reconhecível na cidade é o calor, embora até isso esteja pior. Tento abrir o guarda-chuva para me guardar do sol, mas está emperrado. Largo-o na rua. Além de quente, a segunda-feira acordou muda e acuada. Saí cedo para ter certeza e, mesmo depois de horas, me recuso a acreditar. Os indícios, porém, estão por toda parte. Não há ninguém nas ruas, parece que a cidade inteira entrou em greve e até a rede telefônica vai e volta. Tão inacreditável quanto o eterno Império Inca em ruínas, o Cortiço Capivara desmoronou em um único final de semana. Que isso sirva de alerta a todos aqueles que, como eu, desistiram da revolução.
Júlio Custódio, mineiro de 1983, migrou para Cuiabá jovem, onde trabalhou com música, computador e filosofia. Lançou o primeiro livro de poesia em 2018 (Arcada). Cortiço Capivara é sua inauguração no mundo dos contos.