Sobre o livro
Combinando fatos e personagens fictícios, Onçomem é uma quase biografia. Saracoteando com tal gênero literário que desbrava o passado, o livro desnuda as nuances de personas que povoam um imaginário lúdico e ancestral. Nesta pseudoficção, memórias e experiências tomam corpo numa narrativa que entrelaça a escrita tradicional a devaneios oníricos. Por vezes cronológico, por vezes guiado por determinados temas, a trajetória do livro e das figuras que nele habitam também proporciona ao leitor passear por poesias decaídas e pobres em rima, mas ricas em arrogância. Onçomem brinca com o que é verdade e o que não é, acima de tudo, e embaraça os limites entre a realidade e sua miríade de potencialidades.
Trecho
Do lado direito, a casa amarela de dona Parcovina, um apanhado de tijolos carente de muros, mas com o gramado sempre aparado, rente ao resto da vegetação habitual do cerrado que ali jazia: formas campestres, como os campos limpos que habitam a vista dos otimistas, e formações florestais densas, como os cerradões, entrelaçavam-se e formavam uma microfloresta, que se arrojava em defesa dos fundos. De vez em vez, quando sozinho, parava para passar o olho na paisagem. Encantavam-me as árvores “de cabeça para baixo”, como são conhecidas algumas herbáceas do cerrado, que se caracterizam por suas raízes fincadas 15 metros terra adentro. Que abuso de profundidade! Imaginava elas como pessoas pequenas com pés grandes. Do lado esquerdo do meu corpo, tinha a mata. Mata de Oxossi e Oxum. Acima, um céu que brincava com nuvens cirrus finas, formando desenhos e cores no firmamento, com seus cristais de gelo.
Rodrigo Maciel Meloni é jornalista, contribui com a comunicação da Aliança Nacional LGBTQI e lançou seu primeiro livro, Coitado do homem cujos desejos dependem, pelo Arcada em 2018.